Os trabalhos do XV Simpósio Nacional de Direito Constitucional prosseguiram na tarde desta sexta-feira com a conferência “Garantias Constitucionais e as Instituições Penais”, que contou com as palestras de Ney Bello Filho, Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região; Daniela Teixeira (foto), Ministra do Superior Tribunal de Justiça; Anamaria Prates Barroso, Procuradora do Distrito Federal; e Francisco Monteiro Rocha Jr, professor e Vice-Presidente Executivo da ABDConst. A presidência da mesa foi de responsabilidade de Edson Vieira Abdala, com relatoria de Jefferson Augusto De Paula.

O Desembargador Ney Bello Filho discutiu a alteração do lugar de fala do juiz criminal brasileiro nos tempos atuais. “Berlim existe em muitos imaginários judiciais. Em primeiro lugar, porque lá estava o Direito Positivo, seguro, escrito e válido universalmente. Em segundo lugar, porque os juízes que lá viviam não se submetiam a nenhuma expressão de poder. Eles eram uma força autônoma e distinta dos outros dois poderes”, destacou.

Segundo ele, no Brasil de nosso tempo, os juízes abandonaram a alegoria do Direito seguro e da independência necessária para decidir. “Quando o juiz exerce sua função com poder e se coloca como herói, provoca algumas consequências, entre elas a insegurança. Se o juiz se torna jogador, quem será o responsável pelo apito? Isso pode acarretar em ausência de credibilidade, respeitabilidade e legitimidade”, acentuou.

“Devemos alterar a compreensão que a sociedade tem do que é ser juiz, de qual é o seu lugar de fala. Afastamos as regras seguras e imperativas do Direito objetivo, e entronizamos o julgamento moral, o fundamento ético e a decisão pelo justo. Esquecemos, propositadamente, que não há fixidez na moral, certeza na ética ou ideia unívoca de justiça. Não são regras escritas e nem seguras”, provocou.

Algo de muito podre no reino do Habeas Corpus

O título “Habeas Corpus, quem vamos prender?” foi abordado pela Ministra do STJ, Daniela Teixeira, que fez um breve histórico sobre a instituição do Habeas Corpus, existente desde 1824. De acordo com ela, o “Brasil prende muito e mal”, tendo muitas vezes a mesma lei interpretada de forma oposta, dependendo de quem cometeu o crime. “Há algo de muito podre no reino do habeas corpus”, disse, lembrando que são gastos milhares de reais com situações pequenas, como quem furta para se alimentar ou comete crime sem uso da violência.

Ainda, que o sistema é desigual e racista quando se tem uma população carcerária formada principalmente por negros e jovens.

“Por isso, é preciso escolher quem vamos prender e não fechar o protocolo do habeas corpus para quem precisa ser solto”, pontuou. “Não é solidária uma sociedade que não enxerga em todos a mesma condição humana. O Poder Público precisa estar pronto e articulado para responder às consequências. E não é o encarceramento que resolverá. Não é livre a sociedade que impõe o cárcere como solução para a miséria”, completou.

Presídios têm cheiro e cor

“O presídio, além de ter cheiro, tem cor, e isso não significa que o negro pratique mais crimes, mas porque temos um sistema penal racista e uma justiça penal que pune mal. O sistema penitenciário é negro, com uma população carcerária de 68,2% é negra”, disparou a Procuradora do Distrito Federal Anamaria Prates Barroso, no início de sua fala sobre seletividade penal racial.

A Procuradora apresentou pesquisas e dados estatísticos que revelam o quanto a população negra é a parcela mais afetada pelo sistema de justiça criminal, lembrando que a estreita ligação entre racismo e punição não é recente. “Desde a época da escravização, o negro é o alvo preferencial do sistema de justiça criminal. Com o fim da escravidão, o Estado assume o lugar dos senhorios, alterando os castigos para a punição penal”, acentuou.

“O processo penal tem sido o veículo do Estado para a efetivação da criminalização do negro, sendo as agências de criminalização coadjuvantes das práticas processuais penais racistas”, disse.

Anamaria defende que a concretização de um processo penal democrático passa, também, pela materialização de práticas não racistas e pela incorporação do princípio do não racismo como fundante do processo penal. “A contextualização da raça no processo penal – racialização do processo penal – permite que os tomadores de decisão identifiquem práticas racistas camufladas”, comentou. “É importante colocar a raça como categoria do processo penal, porque o racismo opera da abordagem policial à sentença do juiz”, concluiu.

Análise histórica do STJ

Como o tema “Uniformização da jurisprudência e função Constitucional do Superior Tribunal de Justiça”, o Vice-Presidente Executivo da ABDConst, Francisco Monteiro Rocha Jr, marcou sua participação no painel, apresentando resultados de uma pesquisa que realizou sobre o STJ, com recorte da época do Império. De acordo com ele, era um tribunal que julgava recursos criminais, com grande apego à legalidade e ao formalismo do processo. Na época, não se falava em garantias individuais do cidadão. “Era um liberalismo conservador, calcado no respeito à legalidade, na estabilidade institucional do Império, na igualdade jurídica e nos limites estabelecidos pelas normas”, pontuou.

Ao saltar para a atualidade, disse que é fundamental “dar conta de nossos problemas atuais, mas com segurança jurídica, com previsibilidade e com tratamento igualitário. Não se pode ter concessão de direito para determinadas classes em detrimento de outras”.

Ele encerrou o painel lembrando que “precisamos definir quais bens jurídicos devemos defender, tomando cuidado com uma inversão de valores. Precisamos de clareza, e talvez as visões da justiça criminal do Século XIX possam nos imperar e nos trazer um pouco de alento”, concluiu.

Conteúdo: Básica Comunicações

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